sexta-feira, 15 de junho de 2018

Sonhos Eletricos _ Electric Dreams / O livro e a série


Sonhos Elétricos – O Livro

As histórias de PKD são bem peculiares, até mais do que os de outros romancistas de ficção científica.Não se trata apenas de carros voadores, lasers ou robôs, o fator humano em sua obra é o principal; os conflitos, os sonhos, as decepções, a ( i ) mortalidade e a loucura.

Quando alguém que nunca leu PKD me pergunta por qual livro deve começar eu sempre indico “UBIK” e “Realidades Adaptadas”, agora posso acrescentar “Sonhos Elétricos” para a lista.
>>> Em breve: Guia de Leitura PKD aguardem !!!

Em sua vida, Philip K Dick escreveu mais de 120 contos e 36 romances. Ele escrevia compulsivamente, em parte para poder pagar suas contas e também para colocar todos aqueles mundos para fora da sua mente. Uma mente habitada tanto por fantasmas do passado quanto do futuro.

Ao ler “Sonhos Elétricos” você irá encontrar algumas de suas inquietações, sobre a guerra nuclear, o consumismo, a invasão de privacidade, aceitar a realidade que nos cerca ou procurar por uma outra. Aquela velha duvida: tomar a pílula azul ou a vermelha?

Até hoje não consegui encontrar nenhum escritor com a mesma loucura/genialidade de PKD. Diferente de Asimov, que era um cientista e trazia para a sua obra previsões mais tecnológicas, ou mesmo Arthur C Clarke que tinha uma pegada mais espiritual; talvez você encontre uma similaridade com a obra de Ursula K LeGuin que usava como fundo a ficção cientifica para escrever sobre assuntos mais profundos sobre a humanidade e seu futuro.

Não vou fazer a resenha de conto por conto.Você pode encontrar isso em outros sites que possivelmente irão atrapalhar mais que ajudar. No artigo em que faço um comparativo entre os contos e as adaptações apenas resumo as histórias, nada que interfira na sua futura leitura. Uma dica: leia com a mente limpa e aberta, assim você consegue viajar durante todo o livro. Basta dizer que todos os contos são ótimos, e com certeza você vai escolher os seus preferidos ao final do livro. Os meus destaques vão para: “Humano É”, “O Passageiro habitual”, “Argumento de venda”, “O planeta Impossível” e “Foster, você já morreu”. A única exceção foi “Autofab”, o conto que menos me cativou e que até ficou bem adaptado para a série. Mas isso você vai ler daqui a pouco!  


Pergunta : É preciso ler o livro antes de ver a série ?
Resposta : Não. São experiências bem diferentes.Mas sabe aquela velha frase: O livro é melhor...vale para este caso.
Pergunta : É tão ruim assim?
Resposta : Ficou razoável , acredito que os 10 diferentes diretores quiseram deixar sua “assinatura” e muitos perderam a mão e não respeitaram o texto original ou não foram coerentes com a obra de PDK
Pergunta : Vai ter spoilers nos comentários?
Resposta : Quem sabe...



Electric Dreams  - A série

A difícil arte de adaptar

Não deve ser fácil ser roteirista.
O roteirista precisa se “apropriar” da obra do escritor para adapta-la ao cinema, série ou um episodio com menos de uma hora, sem tirar seus elementos principais e personagens. É preciso ser fiel a história e ao mesmo tempo acrescentar ou retirar algumas partes. Um cirurgião plástico usa procedimentos bem parecidos, mas como já sabemos, existem as boas plásticas e aqueles que são um desastre total.

No livro “Sonhos Elétricos”, antes de cada conto, você encontra as explicações de cada roteirista de como o processo foi feito; o que foi mantido do texto original, as mudanças e adaptações. Recomendo ler após ver cada episódio, mas fique a vontade caso queira ler antes!


Aqui está a lista dos melhores aos piores >>
*** Boa adaptação
**   Ok , dá para encarar
*     Só se você estiver com tempo sobrando


*** Kill All Others (O enforcado desconhecido)
Homem sai na rua e vê corpo pendurado em um poste. As pessoas passam por perto e nem ligam. Incomodado com a situação ele começa a questionar os amigos, vizinhos e a sua mulher.Todos dizem para ele deixar isso para lá e não se importar. A adaptação foi bem inteligente em colocar o dedo na ferida em temas atuais como a política, o ódio gratuito pelo diferente, pelo estrangeiro e o medo da vigilância digital. Ficou com uma cara de episódio do Black Mirror, e ficou muito bom.  

É sério que vocês não estão vendo esse outdoor ?


*** Human Is (Humano é)
Marido violento e opressor, sai em missão a outro planeta e quando volta está totalmente diferente.Existe a possibilidade de um alienígena ter invadido seu corpo para poder sobreviver na colônia humana. Cabe a sua mulher denunciar ou não seu “novo” marido, que agora está atencioso e romântico, algo que ela nunca teve antes. A adaptação não mudou muito, existe o acréscimo de alguns elementos na história mas elas fazem sentido dentro do episodio. E temos nosso eterno Walter White, o ator Bryan Cranston no papel principal e com direito a cena sensual !


Loving the Alien


*** Impossible Planet (Planeta Impossível)
Senhora idosa, surda e com a saúde bem debilitada tem um ultimo desejo: conhecer o planeta Terra. Ela contrata dois pilotos não muito honestos para fazer essa viagem, mas os próprios pilotos não sabem as coordenadas para a Terra e procuram por algum planeta similar, para assim enganar a senhora e ficar com seu dinheiro. A estrutura principal do conto ficou e também seu final. Alias, é um dos mais curtos do livro, e a adaptação virou uma história de amor. Não, não ficou ruim, foi uma solução bem pensada e talvez esse seja seu maior ponto positivo.

Em algum lugar do passado...


*** Safe and Sound (Foster, você ja morreu)
Em um futuro onde a Guerra Fria não acabou e a possibilidade de uma ataque nuclear pode acontecer a qualquer momento, todas as famílias possuem abrigos nucleares, menos a família de Foster. Seu pai é totalmente contra comprar um abrigo porque ele acredita que a Guerra Fria não existe mais e os abrigos são muito caros e desnecessários. Enquanto isso, Foster sofre bullyng na escola e vive um medo constante de morrer porque não tem onde se abrigar durante um ataque.
Os roteiristas trazem a mesma história para o tempo atual e as mudanças são enormes: Foster agora é uma adolescente, no lugar da bomba temos os terroristas; o pai vendedor de móveis virou uma mãe ativista política e o abrigo nuclear é um superhiperplus incrível celular que todos precisam ter por “segurança” pessoal e da comunidade. Outro episódio que ficou com cara de Black Mirror mas respeita a essência da obra de PKD

Nem Steve Jobs deve ter imaginado um celular igual a esse !


** The Commuter (Passageiro habitual)
Bilheteiro de uma estação de trem vê um homem desaparecer na sua frente depois de dizer que a cidade que ele quer comprar a passagem não existe. Após alguns dias o mesmo homem reaparece pedindo a mesma passagem, o bilheteiro começa a questionar onde é esse lugar e quando diz ao homem que tal cidade não existe, o homem desaparece novamente. Não vou contar mais se não vira spoiler... Um conto que precisava apenas de uma modificação: ao invés de investigar sobre a cidade em uma biblioteca a pesquisa seria feita pela internet. Pronto, só isso ! Todos os elementos de fantasia, diálogos e personagens estão perfeitos. A adaptação virou um melodrama espírita/tecnológico sem sentido.O que salva é a atuação de Timothy Spall, se não fosse por ele o episódio seria até mais fraco.

Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon


** Autofac (Autofab)
Uma fábrica autônoma, que funciona apenas por robôs controlados por uma inteligência artificial, produz mais produtos do que as pessoas conseguem consumir e está esgotando os recursos naturais do planeta.Um grupo de pessoas vai tentar enganar essa IA para poder destruir a fábrica.O conto original é um pouco confuso e talvez o menos cativante em termos de história e personagens. Aparentemente o roteirista Travis Beacham achou o mesmo quando diz que :“Autofab” não era o conto que pretendia adaptar de inicio” mas conseguiu fazer um bom trabalho.

We're charging our battery And now we're full of energy


** The Hood Maker (O fabricante de gorros)
No futuro a policia usa os telepatas, ou teeps, para ler as mentes de possíveis inimigas do governo que querem causar caos ou rebeliões.Os “gorros” são bloqueadores contra os teeps, e estão sendo enviados para pessoas aleatórias por toda cidade.Um movimento contra a invasão de pensamentos se espalha pela cidade ao mesmo tempo que os teeps querem tomar o controle da coisas e eliminar as pessoas normais. Aqui temos um conto clássico de PKD que revisita o assunto de telepatia, os exemplos mais conhecidos são os precogs de “Minority Report” e em sua versão anterior, em UBIK.
Novamente, e até hoje não entendo porque gostam tanto de incorporar histórias de amor nos contos ! Aqui temos um romance entre uma teep, Honor e o investigador de policia, Ross. Existe a mudança de perspectiva pelo ponto de vista da telepata, ficou bom mas não ficou incrível.    

The Hood Maker : vários "easter eggs" da obra de PKD espalhados pela episodio


E aqui vai o premio para pior adaptação >> difícil escolher qual é o mais sem noção.
O site IMDb deu até umas notas ok... mas...sem chance! Por isso fica a dica, leia os contos, você vai gostar muito mais 

* Real Life (Peça de Exposição)
Só pela introdução feita pelo roteirista você sabe que deu merda: “Resta muito pouco do conto no episódio...” Na verdade não restou nada, ficou uma mistura de “Vingador do Futuro”com alguma serie policial de investigação bem fraquinha.Chega até a dar sono de tão arrastada e confusa.Os experientes atores Anna Paquin e Terrence Howard  não seguram o episodio e parecem que caíram de pára-quedas na história.

* Crazy Diamond (Argumento de Venda)
Outra grande decepção, porque o conto é tão bom e com momentos em que você pode até rir de nervoso com algumas situações. Quem adaptou foi Tony Grisoni (Medo e delírio em Las Vegas, Mindhunters) e tem até o esquisito que amamos, Steve Buscemi. Era quase certo que seria um bom episódio... só que não.Foi até difícil reconhecer qual conto tinha sido adaptado, uma mistura de elementos da obra de PKD com filme noir, alguma coisa kitsch dos anos 70, pesquisa genética e um final totalmente incoerente. Tem que ter muita paciência até chegar o final.

* The Father Thing (A coisa-Pai)
Ok, o conto não é um dos melhores ou mais originais de PKD , mas dava para fazer uma adaptação no mínimo decente. Acrescentaram um mini drama desnecessário entre pai e filho, umas crianças totalmente deslocadas dentro da trama e uma narrativa muito lenta e introspectiva sem propósito.Parece aqueles filmes bem chatinhos com crianças que passam na Seção da Tarde, a diferença é que temos alienígenas invasores de corpos.Dos três piores é o menos pior, mas continua sendo chato.  

Steve Buscemi morrendo na praia

Para quem leu até o final dessa enorme resenha, meu muito obrigada !!! Volte sempre ;)

SONHOS ELETRICOS
AUTOR : PHILIP K DICK
EDITORA : ALEPH
ISBN : 9788576573975



quinta-feira, 7 de junho de 2018

GUIA DE LEITURA >> Triplo Terror : escolha o seu


No mundo literário, o gênero terror/suspense/policial é um dos mais difíceis de agradar quem já acostumado com esse universo. Uma coisa é certa, nem sempre a historia será inédita: casa assombrada, demônios, maldição de família, vingança, rede de intrigas, envenenamento...O que vai prender o leitor até o final do livro são: personagens empáticos, clímax, pontos de virada, deixar sempre uma duvida durante a trama e principalmente não subestima-lo com explicações simplistas e ter um final descente.

Essa seleção de livros possuem todos esses ingredientes e mais algumas boas surpresas para o leitor mais exigente >>

O Vilarejo – Raphael Montes

Um livro que é facilmente devorado em 2 horas no máximo.
São 7 contos bizarros, todos tem um ponto em comum : um vilarejo no leste europeu que desapareceu do mapa misteriosamente.

Raphael Montes é muito habilidoso ao conectar todas as histórias e personagens, cada um com seu demônio interior e exterior. A cada página você vai sentir uma espécie de incomodo, receio e estranheza.Uma das grandes sacadas do autor é se colocar como alguém que está conhecendo a história junto com o leitor, um recurso que poucos escritores conseguem fazer, e é esse o gancho que faz você não largar o livro até o final. 

No prefácio, Raphael Montes diz que os contos podem ser lidos fora de ordem, mas acho melhor ler na seqüência e tentar se ater ao pequenos detalhes.Talvez pela ânsia de descobrir o que está acontecendo, você não consiga fazer isso na primeira vez.

Particularmente, já li o “O Vilarejo” três vezes, e sempre descubro alguma coisa que passou batido. Leitura altamente recomendada para fãs de clássicos do terror.

   
O Homem de Giz – C.J Tudor

Em seu primeiro livro, CJ Tudor consegue chamar a sua atenção com uma história que parece bem familiar e cheia de referencias as obras de Stephen King.

O que poderia ser um tiro no pé, torna-se a grande “sacada” do “Homem de Giz” que intercala capítulos entre o passado e o presente do personagem, também narrador da trama, Eddie Adams.

No melhor estilo “Conta Comigo” e “IT”, um grupo de amigos encontra na floresta um corpo desmembrado de uma jovem; e um detalhe, a cabeça não está no local. O crime irá assombrar a vida de todos os personagens durante trinta anos. Não, isso não acontece em Derry, no Maine. A história se passa na Inglaterra e os capítulos são intercalados entre os anos de 1986 e 2016.

Logo no começo, você percebe que o personagem principal Eddie tem algum problema de comportamento e também que ele não é um cara muito confiável. Isso fica evidente principalmente nos capítulos em que ele e os amigos são adolescentes. Existem pequenas mentiras ou verdades omitidas, coisas que a principio parecem insignificantes mas que sempre refletem de maneira negativa em alguém do grupo ou fora dele.

É interessante a maneira que a escritora costura esses pequenos detalhes. Porque no fundo nós poderíamos fazer o mesmo, ou por medo de contar a verdade ou por achar que uma pequena mentira não irá causar mal nenhum. O fator causa e efeito e suas consequências fazem a trama funcionar, até menos que o suspense ou terror.  

Para aqueles que devoram livros policiais, na metade do livro você já sabe quem é o assassino, mas mesmo assim você não entende bem quais são as reais motivações para o crime.

E o giz? Qual é a história? E a cabeça, onde foi parar ? Essas duvidas você só irá descobrir no final, não vou contar porque é spoiler !!!


Caixa de Pássaros – Josh Malerman

O livro surpreende por ser diferente em sua narrativa e também claustofóbico.
A ansiedade por algo que você não entende e não consegue ver está em cada capítulo.
É o medo primal do desconhecido e do escuro, o que é real ou imaginação.

Durante quatro anos, Malorie mora em uma casa com seus filhos, sem recursos de água, luz ou comunicação.Vive praticamente no escuro, todas as janelas estão lacradas por tábuas e cortinas.Anos antes, uma onda de mortes, foi relacionada a uma luz misteriosa vista pelas vitimas antes delas cometerem crimes ou suicídio. Durante o surto, muitas pessoas se juntaram em grupos para se proteger, mas nem sempre isso era uma garantia de segurança.

Em seu primeiro livro, Josh Malerman sabe trabalhar esses elementos muito bem.A trama é ágil e com muitos diálogos e sem muitas descrições do que pode ter acontecido no passado. Esse é o gancho da história, como aquela mulher que diz que vive em uma casa com duas crianças, durante anos; sem luz, quase sem alimentos e que precisa vendar os olhos para poder pegar água em um poço foi parar lá. O que aconteceu foi real ou histeria coletiva? Será que tudo já passou ou continua silenciosamente? E como ela vai conseguir sair de lá e tentar a sorte a procura um novo abrigo que talvez nem exista.

Josh Malerman consegue te prender durante grande parte da trama exatamente pela curiosidade, não é um livro de terror, mesmo que exista o fator sobrenatural, segue mais a linha do suspense psicológico. O livro foi adaptado para filme, estrelado pela Sandra Bullock _ ótima escolha_ e tem sua estréia pela Netflix para o segundo semestre de 2018. Mas é aquela história: leia o livro depois veja o filme.




CAIXA DE PÁSSAROS 
AUTOR : JOSH MALERMAN
EDITORA : INTRINSICA
ISBN : 9788580576528

O VILAREJO
AUTOR : RAPHAEL MONTES
EDITORA : SUMA DE LETRAS
ISBN : 9788581053042

O  HOMEM DE GIZ
AUTOR : C J TUDOR
EDITORA : INTRINSICA
ISBN : 9788551002933





     



terça-feira, 29 de maio de 2018

O Conto da Aia _ The Handmaid's Tale / O livro e a série


O Conto da Aia – O Livro

Em primeiro lugar, vamos deixar bem claro:
“O Conto da Aia” não é um romance feminista.
Quem vende essa idéia ou nunca leu o livro, ou interpretou a história de forma equivocada.

A voz feminina que narra os acontecimentos mostra que tanto homens quanto mulheres podem ser extremamente cruéis. Pessoas que deturpam as palavras da Bíblia a seu favor, tirando frases do contexto ou usam apenas as partes que os favorecem.O patriarcado existe, mas ele só se mantém porque as mulheres dos Comandantes apóiam as decisões tomadas para o bem da nação.Uma nova ordem organizada por fanáticos religiosos que acreditam que a infertilidade das mulheres é um castigo de Deus, por causa do sexo sem compromisso, da homossexualidade e de todas as promiscuidades que eles jamais cometeriam.

Após um golpe de estado é criada a Republica de Gilead, onde não existe televisão, revistas, livros ou qualquer outro meio de comunicação_ pelo menos não para as mulheres _a vigilância é extrema e o medo faz com que, aqueles que não estão no poder fiquem em o silencio. Sob o olho dele

As Tias, mulheres designadas para doutrinar as Aias, usam várias passagens bíblicas para justificar a “posição sagrada” dessas mulheres que foram escolhidas para gerar novas vidas para a nação.Durante esse processo de doutrinação e lavagem cerebral, o que não falta é abuso de autoridade, humilhações, castigos e mutilações. Bem aventurados os mansos, pois eles herdarão a Terra

A situação não melhora muito quando as Aias vão para as casas dos Comandantes. Uma vez ao mês elas são estupradas por esses homens, com o consentimento e a presença de suas esposas durante o ato. Mas, segundo a passagem bíblica, Gênesis 30,  isso não tem problema algum, porque a própria esposa de Jacob, Raquel, pede para seu marido fertilizar a criada deles para que ela, Raquel, possa ter um filho... Bendito seja o fruto.

Mas no intimo as mulheres dos Comandantes não aceitam muito bem essa situação,  porque os abusos e humilhações contra as Aias continuam ou pioram. Algumas Aias enlouquecem e se matam ou sofrem falsas acusações e são condenadas a pena de morte.Tudo em nome de Deus

O Conto de Aia é um livro de reflexão sobre a política, o fanatismo religioso e sobre quem detêm o poder. Para alguns é apenas uma história de ficção distópica, para outros é quase uma profecia dos dias vindouros.Como a protagonista diz em uma passagem; tudo aconteceu aos poucos, não mudou de um dia para outro.

Na vida real, muitas “religiões” e seitas praticam coisas parecidas até hoje: poligamia, pedofilia, incesto, mutilação sexual feminina ... E os teonomistas infelizmente não são uma invenção da ficção literária. Eles estão entre nós e acreditam que as leis judiciais do Velho Testamento devem ser aplicadas na sociedade moderna. E como sabemos, nas histórias do velho testamento encontramos assassinatos, infanticídio, estupros... Olho por olho, dente por dente. Saber que pessoas subjugam outras dessa maneira, sem a menor dor na consciência e ainda acreditam estar agindo em nome de um deus é muito assustador.



“Estou me apaixonando”, dizíamos, “estou caidinha por ele" Éramos mulheres que caiam. Acreditávamos nisso, nesse movimento para baixo: tão adorável quanto voar, e ao mesmo tempo tão terrível, tão extremo, tão improvável. Deus é amor, disseram um dia, mas invertemos isso, e o amor, como o Céu, estava sempre ali, logo depois da esquina. Quanto mais difícil fosse amar aquele homem especifico ao nosso lado, mais acreditávamos no Amor, abstrato e total.Estávamos esperando, sempre, pela encarnação. A palavra tornada carne."

Art by Zoë van Dijk


O Conto da Aia – A série

Se ao ler o livro você pode se sentir desconfortável, assistir algumas cenas pode ser uma experiência até pior.

As humilhações que as Aias sofrem pelas Tias, os apedrejamentos, os seqüestros das crianças, a tomada de poder pelos militares religiosos e a bizarra cena da cerimônia de “fertilização” (vide estupro) das Aias. O livro mostra só uma das possibilidades do que o ser humano é capaz de fazer com o outro em busca do seu próprio beneficio.

As diferenças da série para o livro não são muitas. Pelo menos nessa primeira temporada os roteiristas foram fieis ao texto original. No livro não fica explicito como tudo aconteceu, as lembranças de Offred sobre sua “vida de antes” são vagos, quase como se ela não se lembrasse de seu passado. A tentativa de fuga do país, o seqüestro de sua filha, a morte de seu marido, tudo começa a se tornar cada vez mais distante e irreal.

Não existe uma explicação da tomada de poder, os primeiros conflitos...tudo isso fica por conta da imaginação do leitor. A partir dessa lacuna de informações os roteiristas conseguem criar o passado da protagonista June/Offred e também do inicio da Republica de Gilead.

Acertam ao contar o passado do casal Waterford, idealistas da rebelião teonomista e todo o desenvolvimento do governo e leis criados pelo grupo. Ao mostrar a amizade de June e Moira antes do evento, e dar mais espaço para a história de Moira.

A escolha de elenco feminino é muito bom.
Elisabeth Moss está perfeita como June/Offred, apenas com um olhar ela consegue passar os sentimentos conflitantes da personagem: medo, revolta, nojo, sarcasmo...mas ao mesmo tempo precisa engolir tudo isso e sorrir para não ser punida.

As excelentes atuações de Samira Wiley, Madeline Brewer, Alexis Bledel que interpretam as Aias. E temos também as autoritárias: Yvonne  Strahovski, que interpreta a esposa do Comandanteque, que é uma psicopata de primeira, e Tia Lydia; interpretada pela incrível Ann Dowd, fanática religiosa que doutrina as Aias na base do aguilhão de gado.

 O criador encontra sua criação> A escritora Margaret Atwood e Elisabeth Moss.
Na sequencia: 
Alexis Bledel, Samira Wiley, Ann Dowd, Madeline Brewer e Yvonne  Strahovski 
Foto> Victoria Stevens para W Magazine 

Já o elenco masculino, tenho minhas ressalvas.

Vamos ser sinceros, Joseph Fiennes perto dos 50 anos, continua muito bem fisicamente e com seu charme tipicamente inglês, difícil vê-lo como o comandante Waterford. Como sempre sua atuação é muito boa, e consegue dar um ar vilanesco ao personagem. 

O ator O.T Fagbenle, que interpreta o marido de June, precisa ter uma força maior, talvez na segunda temporada isso aconteça.Por enquanto sua participação na serie é só ok.

E a escolha que menos faz sentido é a do ator Max Minghella, que interpreta o motorista Nick, ele é totalmente inexpressivo na voz, olhar...não passa a importância que o personagem tem na trama. Sabe o famoso q.i ? Parece que foi assim que ele ganhou o papel.

A segunda temporada começa agora em Abril, vamos aguardar as mudanças e reviravoltas das histórias que ficaram em aberto e o que acontecerá aos personagens. Pois agora tudo pode tomar um rumo diferente, já que pelo menos 80% da história do livro já foi adaptada.


 Joseph Fiennes, O.T Fagbenle e Max Minghella


 ***Spoiler***
No livro os personagens masculinos são bem diferentes de várias maneiras :

*   O marido de June morre durante a fuga, simples assim.

** O comandante Waterford descrito no livro seria mais ou menos o Harrison Ford nos anos 1990. Um senhor bem apessoado, na faixa dos 60 anos, com cabelos brancos, educado e que até sente um tipo de compaixão para com June/Offred, apesar de tudo.

*** O motorista Nick é um dos personagens enigmáticos.Você só vai entender suas reais intenções ao final do livro. Ele é um dos subordinados do Comandante, um homem por volta dos seus 40 anos, alto, magro_ alguém parecido com o ator Paul Bettany por exemplo_ que dentro da nova Republica não pode ter nada; uma casa, uma família, uma mulher.Porque na “vida de antes” ele era um Zé ninguém e nessa continua do mesmo jeito. Muitas Aias o consideram um “Olho”: espiões infiltrados para vigiar/denunciar as Aias e até mesmo dos Comandantes.

O CONTO DA AIA  (1985)
AUTOR : MARGARET ATWOOD
EDITORA : ROCCO
ISBN : 9788532520661

sábado, 17 de março de 2018

Joe Strummer - Chefe de Guerra do Punk Rock



Joe Strummer era o cara.
Ele tinha o estilo, a atitude e a determinação. Podemos dizer que Joe era uma mistura de Jonnhy Cash com Albert Camus, porque Joe não era só um punk rocker, ele também era um grande pensador.

E falava o que pensava, mesmo que isso custasse magoar os amigos durante o processo, o que aconteceu várias vezes durante sua vida.

Sua sinceridade era confundida com arrogância e até indiferença, mas Joe se importada com  todos, com as minorias, com a política, as injustiças sociais e com o mundo.

Joe the Man in Black

A biografia "Redemption Song" _ainda inédita no Brasil_ tem mais de 600 paginas e pode parecer intimidadora a primeira vista, mas o jornalista Chris Salewics consegue amarrar as histórias, depoimentos, fatos e lendas, tanto da banda The Clash quanto da vida pessoal de Joe Strummer.

A biografia começa pelo final, no dia do funeral de Strummer. Possui alguns detalhes dispensáveis sobre as pessoas que estavam presentes, muitas nem eram amigas do cantor, mas as homenagens eram sinceras, porque Joe era a voz do punk rock, o ídolo e o líder de um movimento que ainda resistia de alguma maneira no final dos anos 1980 e que só voltaria a dar as caras em uma nova versão uma década depois em Seatle, mas isso é uma outra história...

Aos 50 anos Joe voltou ao estúdio e aos palcos depois de um hiato de alguns anos com sua nova banda banda: The Mescaleros

Durante esses anos sombrios, consumiu muito álcool e foi consumido pela depressão.Culpava-se de participar do vergonhoso fim do The Clash e ter expulsado seu amigo e parceiro Mick Jones da banda. Todas as tentativas anteriores de uma carreira solo foram um fracasso: uma trilha sonora que não foi bem aproveitada, um álbum solo feito para o esquecimento e o anonimato dos anos seguintes.

Mas aos poucos sua vida voltava aos eixos. As pessoas queriam ouvir o que ele pensava e as inimizades com os outros integrantes do The Clash agora eram coisa do passado. Joe e Mick se encontraram novamente e fizeram as pazes. Existia a possibilidade de voltarem pelo menos para um reencontro? Era provável, quase possível. O ultimo registro do quase retorno foi feito um mês antes da morte de Joe em novembro de 2002, onde ele e Mick Jones cantaram “White Riot” e “London Burning” em um show beneficente para os bombeiros.          >> Assista!!  >>


"Um babaca me disse que eu parecia o Joe Strummer.
Eu disse, sou eu mesmo.Ele disse, vai sonhando.

Lembro até hoje quando soube da noticia de sua morte e meu único pensamento foi: “Que merda...nunca vou ver o Clash ao vivo...” 

Foi tudo muito rápido e inesperado, para fãs, amigos e parentes. Três dias antes do Natal, sofre um ataque fulminante do coração, esse era Joe, sempre intenso em sua vida e também em sua morte.

Nascido John Graham Mellor, antes de ser conhecido por Strummer, Joe em sua época hippie pedia para todos o chamarem de Woody. Até os amigos mais próximos não sabiam qual era o seu verdadeiro nome! E Joe fazia questão de criar uma áurea de mistério ao seu redor. Não chegava a mentir, mas com certeza omitia sobre seu passado, principalmente quando foi morar nas comunidades ocupadas pelos sem teto em Londres.

Sua família não era rica, mas por conta do trabalho de diplomata de seu pai, Joe estudava em bons colégios e viajava para o exterior nas férias muito mais que seus colegas. Não era o melhor aluno da turma, gostava de livros, era questionador, gostava de tocar um terror e possivelmente tinha déficit de atenção. Mas existia uma razão para  sua crescente revolta e mal comportamento.Joe e seu irmão mais velho David, só encontravam com seus pais durante as férias do internato uma vez ao ano. E mesmo estudando no mesmo colégio, Joe não tinha contato com seu irmão por estarem em diferentes séries e dormitórios. Aos 9 anos o pequeno John aprende que precisa se defender sozinho: é bater ou apanhar, ele escolhe a primeira opção.Vira o líder de uma gangue, ele é o bully, o pior aluno da escola e seu futuro é incerto.

O ponto de virada na vida de Joe acontece com o suicídio de David em 1970, quando teve que reconhecer o corpo de irmão, que havia desaparecido há vários dias e fora encontrado no lago do London’s Regent Park.
Joe e seu irmão David

Joe se afasta dos pais, começa a estudar na faculdade de artes e vive como um cigano, morando de favor na casa de conhecidos ou namoradas. Consegue alguns trabalhos temporários em fabricas e tenta até ser coveiro mas é despedido no mesmo dia porque estava dormindo em uma cova que não conseguiu terminar.

Tinha tudo para dar errado na vida de Joe, mas ele era determinado, cabeça dura e ambicioso. Era seguir em frente ou morrer.

Ele consegue reunir um grupo de amigos e monta uma banda chamada “The 101’ers”, uma mistura de rock/pop/folk clássico sem muito futuro. Joe sabia disso, porque todo o cenário da época estava mudando e a juventude paz amor estava com os dias contados. Havia o desemprego, pessoas morando nas ruas, conflitos raciais e o londrinos enfrentavam cada vez mais a violência nas ruas principalmente por parte das autoridades.

A musica era a válvula de escape para os jovens que não viam futuro em suas vidas.E após assistir a um show dos Sex Pistols, Joe decidiu que esse era o tipo de musica que iria fazer.Em pouco tempo foi convidado para ser o vocalista de uma banda que o mundo iria reconhecer como uma das melhores banda punk de todos os tempos: The Clash.

The Clash, 1977 foto Adrian Boot 
O resto nós já sabemos, ou melhor, você pensa que sabe até ler a biografia “Redemption Song”, considerada a melhor biografia de rock e a definitiva do cantor.

Amigo próximo de Joe e dos outros integrantes do Clash, o jornalista Chris Salewics, viveu e registrou muito bem o começo do punk na época em que trabalhou para a NME em sua era de ouro nas décadas de 1970 e 1980. A revista semanal de rock New Musical Express foi a pioneira em descobrir novas bandas para o publico, além de servir de fonte e referencia para programas de radio e televisão.

Como em todas as biografias temos pontos positivos e negativos. O positivo: a amizade de Chris com Joe faz com que você conheça mais histórias de bastidores e mais detalhes de sua personalidade; um cara determinado e ao mesmo tempo inseguro, apaixonado por mulheres e bebida, sempre polemico e instigador durante as entrevistas.  

O ponto negativo: amizade; porque Chris divaga em alguns momentos e muitas vezes ele tenta “passar um pano” nas atitudes de Joe, que era  um cara legal mas também não pensava duas vezes em deixar algum amigo de lado para conseguir seus objetivos. Errar é humano, e anos mais tarde, Joe admitiu publicamente suas falhas ao seguir os conselhos estúpidos do empresário fascista Bernie Rodhes, que “sabia o que era melhor” para o The Clash. 

Joe sempre foi um idealista, um entusiasta, queria um mundo melhor para todos.Um grande compositor que gostava de colocar o dedo na ferida, sempre questionando o sistema, pedindo para que os jovens tomassem alguma posição.

Ele sempre buscou a fama, mas não por causa do dinheiro, ele queria ser ouvido, queria passar a mensagem de que você deveria conhecer seus direitos, que nenhum homem nascido com alma pode trabalhar para o sistema e que todo pacificador vira um oficial de guerra no final. Ele chamou Londres e o resto do mundo para a guerra declarada, contra as injustiças, preconceitos e conformismo.

O recado foi passada através de suas musicas e entrevistas, até o fim de sua vida, Joe Strummer foi fiel aos seus princípios e honesto com seus fãs.Esse foi seu maior legado e não podemos deixar ele ser esquecido.

   
JOE STRUMMER _ REDEMPTION SONG THE DEFINITIVE BIOGRAPHY (2006)
AUTOR : CHRIS SALEWICZ
EDITORA : Harper Collins Publishers UK
ISBN : 9780007172122




sexta-feira, 9 de março de 2018

SID & NANCY - O FILME



Vida louca, Vida Breve

Não existe um livro sobre Sid e Nancy.
Eles não viveram muito para contarem sua própria historia.
Todas as fontes escritas em biografias e revistas são relatos de terceiros.Lembranças turvas de uma época em que todos estavam chapados, uns mais do que os outros.Tudo é vago e nada confiável.Os registros existentes são os tablóides sensacionalistas da época e as centenas de fotos que hoje você pode encontrar na internet.

A mãe de Nancy Spungen escreveu um livro, no melhor estilo “Casos de família”, sobre como foi difícil criar sua filha hiperativa, problemática e drogada. E que foi até um alivio (?!?!?) o desfecho de toda a história.

Sobre Sid Vicious, temos um pouco mais de material, mas no fim é sempre mais do mesmo.Garoto problemático que ajudava a sua mãe a vender drogas, vira punk mais pelo visual do que pela ideologia, é convidado por seu amigo John Lydon, para ser o baixista da banda Sex Pistols. Apesar de Sid nunca ter tocado um instrumento em sua vida !

Capa do VHS  lançado em 1986 no Brasil

Muitos consideram Sid e Nancy a versão moderna de Romeu e Julieta.
Uma comparação bem cretina na minha opinião.Amores destrutivos estão bem longe de amores românticos.
Pode ter até o mesmo final mas a trajetória é bem diferente.

Nancy Spungen era uma groupie de terceira.
Não tinha o mesmo “glamour” das outras "top groupies" da época: Bebe Buel, Sable Star ou a mais famosa Pamela Des Barres.No filme “Quase Famosos” de Cameron Crowe, Pamela serviu de inspiração para a personagem Penny Lane, interpretada pela atriz Kate Hudson, mas a historia nunca foi confirmada pelo diretor. 

Nancy colava em todos que fossem famosos, tentava fazer amizade com outras groupies para ter seus 15 minutos de fama e também drogas. Conseguiu sair com os Ramones, New York Dolls e Stooges. No livro “Mate-me Por favor” Iggy Pop confirma que saiu com Nancy algumas vezes mas achou melhor dispensá-la porque ela era problema. Imagine só !!! Ninguém mais queria ter Nancy por perto e a única solução era se mudar para a Inglaterra onde supostamente ninguém a conhecia.

Não demorou muito para que Nancy encontrasse com Sid Vicious. 
Não foi amor a primeira vista e pelos relatos de alguns músicos, Sid foi o único que aceitou a sua aproximação.Porque todas as bandas inglesas foram avisadas pelas bandas americanas sobre Nancy e sua obsessão por sucesso e heroína.

Andrew Schofield ( John Lydon ) _ o diretor Alex Cox_Gary Oldman ( Sid Vicious )
*sentido horário 

O filme “Sid e Nancy” de 1986, dirigido por Alex Cox,tem como foco os dois personagens muito bem interpretados por Chloe Webb  e Gary Oldman em inicio de carreira.

A licença poética está presente em boa parte do filme. Para quem conhece a historia sabe que muitos personagens importantes não aparecem e nem são mencionados.A trajetória do Sex Pistols é resumida ao máximo, fica até mais confusa do que foi na realidade.Mas o principal está lá, a perturbada relação do casal mais famoso do punk rock.

A atuação da atriz Chloe Webb é perfeita.Suas características físicas, aliadas a maquiagem e a voz extremante irritante, mostram bem a personalidade confusa e controladora de Nancy.

E em seu primeiro papel de destaque, Gary Oldman encarna o personagem como nenhum outro ator poderia fazer.Oldman consegue captar toda a agressividade, tédio, comportamento auto destrutivo e a fragilidade de um jovem totalmente perdido e a procura de atenção. A aparência física do ator com Sid Vicious era assustadora e todo o gestual e comportamento no palco são praticamente os mesmos.

Sid & Gary


No filme Sid mata Nancy. Sai da cadeia, come uma pizza e pega um táxi com Nancy e vai embora. Licença poética.

Na vida real, Sid talvez tenha assassinado Nancy. Existem muitas histórias, e a mais contada entre os amigos próximos era que Nancy foi morta por um traficante que entrou no quarto do casal para cobrar uma divida. As ultimas pessoas que viram Sid e Nancy juntos confirmam que Sid estava totalmente desacordado, após vários dias usando speed e heroína e quando foi preso estava totalmente catatônico.

Alguns dias depois, os amigos pagam a fiança de Sid que volta para sua vida normal. Drogas, brigas, cadeia, mais drogas e finalmente uma overdose. Fim.

Os filmes de Alex Cox sempre refletiram o melhor do espírito punk :  “Repo Man – A onda Punk”, “A Caminho do Inferno”, “Medo e Delírio em Las Vegas” ...  Além de contar com as participações especiais dos músicos do Pogues, Elvis Costelo e do amigo Joe Strummer, que também fez a trilha sonora para o filme “Walker” de 1987.


Após 30 anos “Sid e Nancy – Love Kills” continua sendo um dos poucos e bons registros sobre o punk rock e seu estilo de vida.Quando a musica era real, criativa, anárquica e porra louca total.


quarta-feira, 7 de março de 2018

COMMANDO - A autobiografia de Johnny Ramone




John William Cummigs era o típico garoto americano.
Gostava de basebol, rock’n’roll, colecionava cards e estudava em um colégio militar. Em parte porque queria agradar seu pai, que na juventude serviu no exercito, mas John era filho único e talvez por isso nunca foi recrutado.Tentou a carreira no basebol mas também não deu certo. Por mais que treinasse não conseguia se destacar entre os colegas.

Na adolescência cometeu alguns delitos, pequenos roubos e vandalismos.Com o passar do tempo ficou mais violento e se meteu com drogas pesadas.Sentia uma mistura de raiva e inconformismo. Foi preso algumas vezes principalmente por se meter em brigas e posse de drogas. Ficou nessa vida marginal por algum tempo até que um dia ele ouviu uma voz:

"Então, de repente, tudo mudou. Eu estava com 20 anos. Não sei o que era, Deus talvez, mas não era algo que eu tivesse ouvido antes. A voz perguntou: “O que você está fazendo com sua vida? É para isso que você está aqui?” Foi um despertar espiritual. Fui para casa e parei de usar drogas, parei de fazer todas aquelas coisas ruins e parei de beber. Não queria ficar sobre a influencia do álcool nunca mais. Queria ficar totalmente sob controle."    
  
Esse é o inicio da jornada de Johnny Ramone. Que começou a trabalhar na área da construção civil, não por gostar do trabalho, mas era seguro e uma maneira de guardar dinheiro para ter uma boa aposentadoria. E durante toda a trajetória dos Ramones essa era a meta, ter uma boa aposentadoria !

Johnny era um cara bem complexo; gostava de estar no controle, objetivo e pratico sabia o que fazer e como fazer.Nos primeiros capítulos do livro você percebe que ele era uma criança metódica e que possivelmente tinha TOC !!! Tamanha a sua obsessão em colecionar e organizar seus cards de beisebol. Tudo precisava estar no lugar e na ordem cronológica correta. Odiava pessoas desorganizadas e coisas sem propósito.

Era um colecionador de agendas também e anotava tudo o que achava importante.Gostava de fazer listas, melhores discos, livros, filmes, jogadores de basebol ... E durante anos, antes de formar os Ramones, fez uma serie de anotações, algumas mentais, sobre equipamentos, roupas, shows, como se comportar no palco, erros e acertos das bandas que gostava e não gostava.

Queria que houvesse uma simetria no palco, uma coerência com o visual, um uniforme, queria se diferenciar das outras bandas. Tinham que conquistar seu espaço, derrotar a concorrência. Amigos para que? Amigos não pagavam suas contas.

Ele era o comandante dos Ramones, isso é inquestionável.
Johnny via a banda como um trabalho a ser executado e ele tinha que ser executado da melhor forma. A sua única preocupação era com os fãs, eram eles que pagavam seu salário.

Essa maneira objetiva de ver as coisas servia para o bem e para o mal.
Por ser o cérebro e líder, Johnny era persona non grata, precisava dar ordens, controlar os colegas de banda para não beberem antes do show e não se drogarem durante as turnês.Não gostava de groupies, não via necessidade de ter amizade com outros músicos ou artistas. Ele era extremista de muitas maneiras, mas sem isso, com certeza, o Ramones não passaria do segundo álbum.Assim como aconteceu como várias bandas punks da época. 

“Eu realmente não conversava com ninguém. Ia para o GBGB e pensava: “Estou cercado por um bando de babacas”.(...) Eu não tinha amigos envolvidos na cena musical.Estávamos trabalhando.O GBGB era onde eu trabalhava.” 



Se Johnny era o cérebro, Dee Dee era a alma dos Ramones.
E essa relação de amizade que virou animosidade é contada _ mais ou menos _ por Johnny durante todo o livro.Se você conseguir um exemplar do livro “Coração Envenenado” biografia de Dee Dee, atualmente esgotada nas livrarias, terá mais detalhes das eternas brigas e discussões de quem era o opressor e quem era o oprimido. Fofocas a parte, Johnny ficava furioso ao ver Dee Dee sempre drogado e o quanto isso afetava a banda, porque suas idéias e composições eram essenciais para o grupo.

É interessante notar, que nos últimos anos da vida de Johnny, ele demonstra sua consideração a pessoa e ao trabalho de Dee Dee, apesar de algumas alfinetadas entre um elogio e outro.Coisa que não acontece com o baterista Marky; que ele considerava um interesseiro e o vocalista Joey, que foi ódio a primeira vista e seguiu assim até o fim da banda.

Engraçado saber que Johnny não fazia idéia da influencia dos Ramones sobre outras bandas e o quanto ele era conhecido e admirado por seus fãs.
O que ele considera apenas um trabalho, seria o seu grande legado para o rock’n’roll.

O livro foi escrito quando Johnny estava em uma fase bem avançada do seu câncer.

Você percebe que ele reflete sobre sua vida, as amizades e as pessoas que estão ao seu lado naquele momento. Mas sem arrependimentos sobre suas atitudes, sem conselhos sentimentaloides ou coisa do gênero.Objetivo e direto como sempre foi em sua vida e até o fim. 
Isso é ser punk! 


COMMANDO - A AUTO BIOGRAFIA DE JOHNNY RAMONE (2012)
AUTOR : JOHNNY RAMONE
EDITORA : LEYA 
ISBN : 9788580445749

sábado, 27 de janeiro de 2018

GUIA DE LEITURA - OS HERDEIROS DO REI - STEPHEN KING & FILHOS


É muito comum os filhos seguirem as carreiras de seus pais. Seja por imposição ou admiração, temos a probabilidade de 50% de dar certo ou não. Mas o talento não pode ser passado geneticamente _ por enquanto_ diferente da beleza, que pode facilitar a vida de filhos(as) de atores e modelos para conseguir aquela ajudinha no inicio de suas carreiras.

E ninguém aprende a ser um escritor na escola ou universidade, da mesma maneira que ninguém vira escritor da noite para o dia.Claro que existem cursos, palestras, encontros literários, oficinas de idéias, técnicas de redação...que podem tirar seu dinheiro_ geralmente muito dinheiro_ mas não garantem que você escreva um bom livro ou mesmo que escreva qualquer livro.

Você pode encontrar valiosas dicas em “Sob a Escrita” mas as principais são: leia muito e escreva todos os dias.

Acredito que isso nunca faltou na casa dos King: livros e escritores.
Apenas um livro de Tabitha King, esposa de Stephen, foi publicado no Brasil na década de 1980,“As miniaturas do Terror”.
Mas seu currículo conta com mais de sete livros publicados, vários contos e roteiros para televisão. Portanto, crescer nesta atmosfera literária e ter como exemplo os pais, contribuiu com metade da escolha de Owen King e Joe Hill.

A outra metade vamos conhecer agora >>


Joe Hill escolheu abreviar seu segundo sobrenome, Hillstrom, e não usar o King para não ser associado ao seu pai. Deu certo por um tempo, mas o “disfarce” não durou até seu primeiro livro. Seu estilo de escrita lembra um pouco o de SK. Possui os temas fantásticos, com direito a demônios, fantasmas, zumbis e poderes psiquicos. Só que ele consegue ser mais sarcástico, com umas pitadas de humor negro, usa mais diálogos e é menos descritivo.

“A Estrada da Noite” Primeiro romance de Joe Hill é uma miscelânea de referencias pop, a começar pelo titulo original :> “Heart Shaped Box” musica do grupo Nirvana. O personagem principal, Judas Coyne, é um cantor cinquentão decadente e excêntrico de uma banda de heavy metal, que coleciona objetos bizarros e macabros.Sua ultima aquisição, um paletó de um morto comprado pela internet, além de ser assombrado é amaldiçoado. A história lembra aqueles velhos episódios de “Além da Imaginação”, Jude está sempre em conflito com o que é real, o que é alucinação e seu peso na consciência, os fantasmas do seu passado. Não será o livro da sua vida, mas com certeza é uma boa leitura.

“O pacto” ou “Amaldiçoado” Você já riu de nervoso lendo um livro? Provavelmente você irá rir ou chegar bem perto com este. Logo no primeiro capitulo, os absurdos começam quando Ignatius Perrish _é cada nome que Joe escolhe... _ acorda e vê dois pequenos chifres crescendo na sua testa. Ele acredita que pode ser efeito da ressaca do dia anterior ou mesmo algum tipo de alucinação, porque só ele vê os chifres.Além disso ele começa a ouvir os pensamentos das pessoas e descobre que pode induzi-las à fazer coisas ruins. A cena em que ele está no consultório médico é hilária, no intimo todo mundo já teve vontade de ter poderes iguais nessa hora...sem mais spoilers! É uma historia de terror mas também acontece um clima de policial/investigação porque Ignatius foi acusado de matar a própria namorada e agora com esses “poderes” telepáticos ele pode chegar ao verdadeiro culpado, e é ai que a história fica tensa! Existe o filme mas você sabe como funciona, leia o livro antes, você não vai se arrepender.

“Fantasmas do século XX” São 15 contos, onde pesadelos, sobrenatural e suspense se misturam. Devo admitir que, assim como qualquer livro com vários contos, você sempre terá altos e baixos.No caso de “Fantasmas...” ele está bem equilibrado e alguns contos, no mínimo, dão aquele frio na espinha.
Os destaques vão para >> “O melhor do novo horror”, “Bobby Conroy volta dos mortos”, “A mascara do meu pai” e “Internação voluntária”.

“Nosferatu” é o livro mais sem noção que você vai ler do universo terror/fantástico. E por isso, ele continua sendo um dos meus favoritos do Joe Hill. Aqui você encontra de tudo: dimensões paralelas, a terra do Natal eterno, demônios, serial killers, violência e vingança. E apesar do titulo, você não irá encontrar nenhum vampiro. Mesmo com mais de 600 paginas ele não perde a ação e tem muitas reviravoltas. Também é cheio de referencias à cultura pop e até cita a obra de seu pai! Vale a pena ler antes que vire alguma adaptação sem graça e sem o mesmo impacto do livro.

“Mestre das Chamas” não possui uma trama inédita e até Joe Hill deixa isso claro no próprio livro. Eu sei...é um pouco difícil de explicar, mas é dessa maneira que ele conquista o leitor. Joe Hill sabe criar personagens cativantes tão bem como seu pai. Impossível não torcer por um final feliz para os personagens principais: a enfermeira Harper Greyson, o bombeiro John Rookwood e o garoto Nick Andros. Existem referencias/inspirações diretas as obras de Ray Bradbury, J.K. Rowling e também ecos da obra de Stephen King, “A dança da Morte”. A história começa com uma pandemia, onde as pessoas pegam uma doença chamada Escama de Dragão, ninguém sabe como ela se espalha, mas em pouco tempo as pessoas infectadas sofrem combustão espontânea.

Joe Hill descreve muito bem como o mundo começa a se transformar a partir de grandes crises e como as pessoas podem ser cruéis umas com as outras.Primeiro vem o medo, depois o ódio e então matar aquilo que é uma ameaça.Em alguns momentos a historia trava, algumas descrições desnecessárias e histórias paralelas que não fazem diferença alguma para a trama podem tornar a leitura cansativa. Mas não desista, porque o final mesmo não sendo feliz (opss !!!) não é decepcionante e você até fica com aquela sensação de que a história tem que continuar. Os direitos autorais já foram vendidos e estão em negociação para uma serie de televisão.




A carreira de escritor de Owen King é mais recente, mas ele já contribuiu para várias antologias de contos de mistério e suspense e uma graphic novel. Além de ter dois livros publicados; "We're All in this toguether: A Novella and Stories" (2005) e "Double Feature" (2013). Sem previsão para o mercado brasileiro até o momento.

"Belas Adormecidas"  >> Nunca li nada do Owen King. Já li outros livros escritos a quatro mãos: “O Talismã” SK & Peter Straub, “Belas Maldiçoes” Neil Gaiman & Terry Pratchett. Se dá para descobrir quem escreveu o que? Sim. Se você é um leitor/fã de qualquer autor sabe que ele tem um estilo, alguns vícios de narrativa e maneiras de descrever lugares e personagens.

A idéia de “Belas...” é excepcional. As mulheres adormecem, um casulo se forma ao seu redor e nem pense em tentar tira-lo! Essas mulheres que entram em um sono profundo são “transportadas” para um mundo paralelo, sem homens. Lá, elas aprendem a conviver, esquecer suas diferenças passadas e começar a criar uma nova sociedade.Que legal não é mesmo? Só que do "outro lado" seus corpos estão sobre a proteção ou a mercê de homens inconformados com toda essa situação. Alguns cometem suicídio, outros escondem suas mulheres e filhas e outros querem destruir os casulos/mulheres porque elas podem ser potencialmente perigosas. Nada muito diferente dos tempos atuais...

Mas, infelizmente a trama não se desenvolve da maneira que deveria. Da metade para o final do livro a historia fica monótona, a narrativa se perde ou se repete. A linha de tempo fica confusa, especialmente quando estamos no mundo das mulheres, e o timing do que está acontecendo entre os dois mundos está desconectando de muitas maneiras. São muitos os personagens, alguns bem desnecessários e quase no final da trama aparecem mais! Já li calhamaços como “Dança da Morte”, “IT” e “Sob a Redoma” com personagens suficientes pra encher a arquibancada de um estádio de futebol, e mesmo assim, lembro da personalidade de muitos, porque a maioria me cativou de alguma maneira. Os personagens de “Belas...” não conseguiram o mesmo efeito, todos eles são apresentados de maneira breve e no fim você não consegue criar empatia por nenhum deles. Uma pena, porque quando você chega nas ultimas paginas do livro pensa: “Nossa, consegui terminar !” ao invés de “Que pena, queria ler mais !”  




A ESTRADA DA NOITE (2007)
AUTOR : JOE HILL 
EDITORA : ARQUEIRO 
ISBN : 9788599296134

ALMALDIÇOADO (2010)
AUTOR : JOE HILL
EDITORA : ARQUEIRO 
ISBN : 9788580413595

FANTASMAS DO SECULO XX (2005)
AUTOR : JOE HILL
EDITORA : ARQUEIRO
ISBN : 9788599296295

NOSFERATU (2013)
AUTOR : JOE HILL
EDITORA : ARQUEIRO
ISBN : 9788580412970

MESTRE DAS CHAMAS (2016)
AUTOR : JOE HILL
EDITORA : ARQUEIRO
ISBN : 9788580417135

BELAS ADORMECIDAS (2017)
AUTORES : STEPHEN KING & OWEN KING
EDITORA : SUMA DE LETRAS
ISBN : 9788556510518