sábado, 17 de março de 2018

Joe Strummer - Chefe de Guerra do Punk Rock



Joe Strummer era o cara.
Ele tinha o estilo, a atitude e a determinação. Podemos dizer que Joe era uma mistura de Jonnhy Cash com Albert Camus, porque Joe não era só um punk rocker, ele também era um grande pensador.

E falava o que pensava, mesmo que isso custasse magoar os amigos durante o processo, o que aconteceu várias vezes durante sua vida.

Sua sinceridade era confundida com arrogância e até indiferença, mas Joe se importada com  todos, com as minorias, com a política, as injustiças sociais e com o mundo.

Joe the Man in Black

A biografia "Redemption Song" _ainda inédita no Brasil_ tem mais de 600 paginas e pode parecer intimidadora a primeira vista, mas o jornalista Chris Salewics consegue amarrar as histórias, depoimentos, fatos e lendas, tanto da banda The Clash quanto da vida pessoal de Joe Strummer.

A biografia começa pelo final, no dia do funeral de Strummer. Possui alguns detalhes dispensáveis sobre as pessoas que estavam presentes, muitas nem eram amigas do cantor, mas as homenagens eram sinceras, porque Joe era a voz do punk rock, o ídolo e o líder de um movimento que ainda resistia de alguma maneira no final dos anos 1980 e que só voltaria a dar as caras em uma nova versão uma década depois em Seatle, mas isso é uma outra história...

Aos 50 anos Joe voltou ao estúdio e aos palcos depois de um hiato de alguns anos com sua nova banda banda: The Mescaleros

Durante esses anos sombrios, consumiu muito álcool e foi consumido pela depressão.Culpava-se de participar do vergonhoso fim do The Clash e ter expulsado seu amigo e parceiro Mick Jones da banda. Todas as tentativas anteriores de uma carreira solo foram um fracasso: uma trilha sonora que não foi bem aproveitada, um álbum solo feito para o esquecimento e o anonimato dos anos seguintes.

Mas aos poucos sua vida voltava aos eixos. As pessoas queriam ouvir o que ele pensava e as inimizades com os outros integrantes do The Clash agora eram coisa do passado. Joe e Mick se encontraram novamente e fizeram as pazes. Existia a possibilidade de voltarem pelo menos para um reencontro? Era provável, quase possível. O ultimo registro do quase retorno foi feito um mês antes da morte de Joe em novembro de 2002, onde ele e Mick Jones cantaram “White Riot” e “London Burning” em um show beneficente para os bombeiros.          >> Assista!!  >>


"Um babaca me disse que eu parecia o Joe Strummer.
Eu disse, sou eu mesmo.Ele disse, vai sonhando.

Lembro até hoje quando soube da noticia de sua morte e meu único pensamento foi: “Que merda...nunca vou ver o Clash ao vivo...” 

Foi tudo muito rápido e inesperado, para fãs, amigos e parentes. Três dias antes do Natal, sofre um ataque fulminante do coração, esse era Joe, sempre intenso em sua vida e também em sua morte.

Nascido John Graham Mellor, antes de ser conhecido por Strummer, Joe em sua época hippie pedia para todos o chamarem de Woody. Até os amigos mais próximos não sabiam qual era o seu verdadeiro nome! E Joe fazia questão de criar uma áurea de mistério ao seu redor. Não chegava a mentir, mas com certeza omitia sobre seu passado, principalmente quando foi morar nas comunidades ocupadas pelos sem teto em Londres.

Sua família não era rica, mas por conta do trabalho de diplomata de seu pai, Joe estudava em bons colégios e viajava para o exterior nas férias muito mais que seus colegas. Não era o melhor aluno da turma, gostava de livros, era questionador, gostava de tocar um terror e possivelmente tinha déficit de atenção. Mas existia uma razão para  sua crescente revolta e mal comportamento.Joe e seu irmão mais velho David, só encontravam com seus pais durante as férias do internato uma vez ao ano. E mesmo estudando no mesmo colégio, Joe não tinha contato com seu irmão por estarem em diferentes séries e dormitórios. Aos 9 anos o pequeno John aprende que precisa se defender sozinho: é bater ou apanhar, ele escolhe a primeira opção.Vira o líder de uma gangue, ele é o bully, o pior aluno da escola e seu futuro é incerto.

O ponto de virada na vida de Joe acontece com o suicídio de David em 1970, quando teve que reconhecer o corpo de irmão, que havia desaparecido há vários dias e fora encontrado no lago do London’s Regent Park.
Joe e seu irmão David

Joe se afasta dos pais, começa a estudar na faculdade de artes e vive como um cigano, morando de favor na casa de conhecidos ou namoradas. Consegue alguns trabalhos temporários em fabricas e tenta até ser coveiro mas é despedido no mesmo dia porque estava dormindo em uma cova que não conseguiu terminar.

Tinha tudo para dar errado na vida de Joe, mas ele era determinado, cabeça dura e ambicioso. Era seguir em frente ou morrer.

Ele consegue reunir um grupo de amigos e monta uma banda chamada “The 101’ers”, uma mistura de rock/pop/folk clássico sem muito futuro. Joe sabia disso, porque todo o cenário da época estava mudando e a juventude paz amor estava com os dias contados. Havia o desemprego, pessoas morando nas ruas, conflitos raciais e o londrinos enfrentavam cada vez mais a violência nas ruas principalmente por parte das autoridades.

A musica era a válvula de escape para os jovens que não viam futuro em suas vidas.E após assistir a um show dos Sex Pistols, Joe decidiu que esse era o tipo de musica que iria fazer.Em pouco tempo foi convidado para ser o vocalista de uma banda que o mundo iria reconhecer como uma das melhores banda punk de todos os tempos: The Clash.

The Clash, 1977 foto Adrian Boot 
O resto nós já sabemos, ou melhor, você pensa que sabe até ler a biografia “Redemption Song”, considerada a melhor biografia de rock e a definitiva do cantor.

Amigo próximo de Joe e dos outros integrantes do Clash, o jornalista Chris Salewics, viveu e registrou muito bem o começo do punk na época em que trabalhou para a NME em sua era de ouro nas décadas de 1970 e 1980. A revista semanal de rock New Musical Express foi a pioneira em descobrir novas bandas para o publico, além de servir de fonte e referencia para programas de radio e televisão.

Como em todas as biografias temos pontos positivos e negativos. O positivo: a amizade de Chris com Joe faz com que você conheça mais histórias de bastidores e mais detalhes de sua personalidade; um cara determinado e ao mesmo tempo inseguro, apaixonado por mulheres e bebida, sempre polemico e instigador durante as entrevistas.  

O ponto negativo: amizade; porque Chris divaga em alguns momentos e muitas vezes ele tenta “passar um pano” nas atitudes de Joe, que era  um cara legal mas também não pensava duas vezes em deixar algum amigo de lado para conseguir seus objetivos. Errar é humano, e anos mais tarde, Joe admitiu publicamente suas falhas ao seguir os conselhos estúpidos do empresário fascista Bernie Rodhes, que “sabia o que era melhor” para o The Clash. 

Joe sempre foi um idealista, um entusiasta, queria um mundo melhor para todos.Um grande compositor que gostava de colocar o dedo na ferida, sempre questionando o sistema, pedindo para que os jovens tomassem alguma posição.

Ele sempre buscou a fama, mas não por causa do dinheiro, ele queria ser ouvido, queria passar a mensagem de que você deveria conhecer seus direitos, que nenhum homem nascido com alma pode trabalhar para o sistema e que todo pacificador vira um oficial de guerra no final. Ele chamou Londres e o resto do mundo para a guerra declarada, contra as injustiças, preconceitos e conformismo.

O recado foi passada através de suas musicas e entrevistas, até o fim de sua vida, Joe Strummer foi fiel aos seus princípios e honesto com seus fãs.Esse foi seu maior legado e não podemos deixar ele ser esquecido.

   
JOE STRUMMER _ REDEMPTION SONG THE DEFINITIVE BIOGRAPHY (2006)
AUTOR : CHRIS SALEWICZ
EDITORA : Harper Collins Publishers UK
ISBN : 9780007172122




sexta-feira, 9 de março de 2018

SID & NANCY - O FILME



Vida louca, Vida Breve

Não existe um livro sobre Sid e Nancy.
Eles não viveram muito para contarem sua própria historia.
Todas as fontes escritas em biografias e revistas são relatos de terceiros.Lembranças turvas de uma época em que todos estavam chapados, uns mais do que os outros.Tudo é vago e nada confiável.Os registros existentes são os tablóides sensacionalistas da época e as centenas de fotos que hoje você pode encontrar na internet.

A mãe de Nancy Spungen escreveu um livro, no melhor estilo “Casos de família”, sobre como foi difícil criar sua filha hiperativa, problemática e drogada. E que foi até um alivio (?!?!?) o desfecho de toda a história.

Sobre Sid Vicious, temos um pouco mais de material, mas no fim é sempre mais do mesmo.Garoto problemático que ajudava a sua mãe a vender drogas, vira punk mais pelo visual do que pela ideologia, é convidado por seu amigo John Lydon, para ser o baixista da banda Sex Pistols. Apesar de Sid nunca ter tocado um instrumento em sua vida !

Capa do VHS  lançado em 1986 no Brasil

Muitos consideram Sid e Nancy a versão moderna de Romeu e Julieta.
Uma comparação bem cretina na minha opinião.Amores destrutivos estão bem longe de amores românticos.
Pode ter até o mesmo final mas a trajetória é bem diferente.

Nancy Spungen era uma groupie de terceira.
Não tinha o mesmo “glamour” das outras "top groupies" da época: Bebe Buel, Sable Star ou a mais famosa Pamela Des Barres.No filme “Quase Famosos” de Cameron Crowe, Pamela serviu de inspiração para a personagem Penny Lane, interpretada pela atriz Kate Hudson, mas a historia nunca foi confirmada pelo diretor. 

Nancy colava em todos que fossem famosos, tentava fazer amizade com outras groupies para ter seus 15 minutos de fama e também drogas. Conseguiu sair com os Ramones, New York Dolls e Stooges. No livro “Mate-me Por favor” Iggy Pop confirma que saiu com Nancy algumas vezes mas achou melhor dispensá-la porque ela era problema. Imagine só !!! Ninguém mais queria ter Nancy por perto e a única solução era se mudar para a Inglaterra onde supostamente ninguém a conhecia.

Não demorou muito para que Nancy encontrasse com Sid Vicious. 
Não foi amor a primeira vista e pelos relatos de alguns músicos, Sid foi o único que aceitou a sua aproximação.Porque todas as bandas inglesas foram avisadas pelas bandas americanas sobre Nancy e sua obsessão por sucesso e heroína.

Andrew Schofield ( John Lydon ) _ o diretor Alex Cox_Gary Oldman ( Sid Vicious )
*sentido horário 

O filme “Sid e Nancy” de 1986, dirigido por Alex Cox,tem como foco os dois personagens muito bem interpretados por Chloe Webb  e Gary Oldman em inicio de carreira.

A licença poética está presente em boa parte do filme. Para quem conhece a historia sabe que muitos personagens importantes não aparecem e nem são mencionados.A trajetória do Sex Pistols é resumida ao máximo, fica até mais confusa do que foi na realidade.Mas o principal está lá, a perturbada relação do casal mais famoso do punk rock.

A atuação da atriz Chloe Webb é perfeita.Suas características físicas, aliadas a maquiagem e a voz extremante irritante, mostram bem a personalidade confusa e controladora de Nancy.

E em seu primeiro papel de destaque, Gary Oldman encarna o personagem como nenhum outro ator poderia fazer.Oldman consegue captar toda a agressividade, tédio, comportamento auto destrutivo e a fragilidade de um jovem totalmente perdido e a procura de atenção. A aparência física do ator com Sid Vicious era assustadora e todo o gestual e comportamento no palco são praticamente os mesmos.

Sid & Gary


No filme Sid mata Nancy. Sai da cadeia, come uma pizza e pega um táxi com Nancy e vai embora. Licença poética.

Na vida real, Sid talvez tenha assassinado Nancy. Existem muitas histórias, e a mais contada entre os amigos próximos era que Nancy foi morta por um traficante que entrou no quarto do casal para cobrar uma divida. As ultimas pessoas que viram Sid e Nancy juntos confirmam que Sid estava totalmente desacordado, após vários dias usando speed e heroína e quando foi preso estava totalmente catatônico.

Alguns dias depois, os amigos pagam a fiança de Sid que volta para sua vida normal. Drogas, brigas, cadeia, mais drogas e finalmente uma overdose. Fim.

Os filmes de Alex Cox sempre refletiram o melhor do espírito punk :  “Repo Man – A onda Punk”, “A Caminho do Inferno”, “Medo e Delírio em Las Vegas” ...  Além de contar com as participações especiais dos músicos do Pogues, Elvis Costelo e do amigo Joe Strummer, que também fez a trilha sonora para o filme “Walker” de 1987.


Após 30 anos “Sid e Nancy – Love Kills” continua sendo um dos poucos e bons registros sobre o punk rock e seu estilo de vida.Quando a musica era real, criativa, anárquica e porra louca total.


quarta-feira, 7 de março de 2018

COMMANDO - A autobiografia de Johnny Ramone




John William Cummigs era o típico garoto americano.
Gostava de basebol, rock’n’roll, colecionava cards e estudava em um colégio militar. Em parte porque queria agradar seu pai, que na juventude serviu no exercito, mas John era filho único e talvez por isso nunca foi recrutado.Tentou a carreira no basebol mas também não deu certo. Por mais que treinasse não conseguia se destacar entre os colegas.

Na adolescência cometeu alguns delitos, pequenos roubos e vandalismos.Com o passar do tempo ficou mais violento e se meteu com drogas pesadas.Sentia uma mistura de raiva e inconformismo. Foi preso algumas vezes principalmente por se meter em brigas e posse de drogas. Ficou nessa vida marginal por algum tempo até que um dia ele ouviu uma voz:

"Então, de repente, tudo mudou. Eu estava com 20 anos. Não sei o que era, Deus talvez, mas não era algo que eu tivesse ouvido antes. A voz perguntou: “O que você está fazendo com sua vida? É para isso que você está aqui?” Foi um despertar espiritual. Fui para casa e parei de usar drogas, parei de fazer todas aquelas coisas ruins e parei de beber. Não queria ficar sobre a influencia do álcool nunca mais. Queria ficar totalmente sob controle."    
  
Esse é o inicio da jornada de Johnny Ramone. Que começou a trabalhar na área da construção civil, não por gostar do trabalho, mas era seguro e uma maneira de guardar dinheiro para ter uma boa aposentadoria. E durante toda a trajetória dos Ramones essa era a meta, ter uma boa aposentadoria !

Johnny era um cara bem complexo; gostava de estar no controle, objetivo e pratico sabia o que fazer e como fazer.Nos primeiros capítulos do livro você percebe que ele era uma criança metódica e que possivelmente tinha TOC !!! Tamanha a sua obsessão em colecionar e organizar seus cards de beisebol. Tudo precisava estar no lugar e na ordem cronológica correta. Odiava pessoas desorganizadas e coisas sem propósito.

Era um colecionador de agendas também e anotava tudo o que achava importante.Gostava de fazer listas, melhores discos, livros, filmes, jogadores de basebol ... E durante anos, antes de formar os Ramones, fez uma serie de anotações, algumas mentais, sobre equipamentos, roupas, shows, como se comportar no palco, erros e acertos das bandas que gostava e não gostava.

Queria que houvesse uma simetria no palco, uma coerência com o visual, um uniforme, queria se diferenciar das outras bandas. Tinham que conquistar seu espaço, derrotar a concorrência. Amigos para que? Amigos não pagavam suas contas.

Ele era o comandante dos Ramones, isso é inquestionável.
Johnny via a banda como um trabalho a ser executado e ele tinha que ser executado da melhor forma. A sua única preocupação era com os fãs, eram eles que pagavam seu salário.

Essa maneira objetiva de ver as coisas servia para o bem e para o mal.
Por ser o cérebro e líder, Johnny era persona non grata, precisava dar ordens, controlar os colegas de banda para não beberem antes do show e não se drogarem durante as turnês.Não gostava de groupies, não via necessidade de ter amizade com outros músicos ou artistas. Ele era extremista de muitas maneiras, mas sem isso, com certeza, o Ramones não passaria do segundo álbum.Assim como aconteceu como várias bandas punks da época. 

“Eu realmente não conversava com ninguém. Ia para o GBGB e pensava: “Estou cercado por um bando de babacas”.(...) Eu não tinha amigos envolvidos na cena musical.Estávamos trabalhando.O GBGB era onde eu trabalhava.” 



Se Johnny era o cérebro, Dee Dee era a alma dos Ramones.
E essa relação de amizade que virou animosidade é contada _ mais ou menos _ por Johnny durante todo o livro.Se você conseguir um exemplar do livro “Coração Envenenado” biografia de Dee Dee, atualmente esgotada nas livrarias, terá mais detalhes das eternas brigas e discussões de quem era o opressor e quem era o oprimido. Fofocas a parte, Johnny ficava furioso ao ver Dee Dee sempre drogado e o quanto isso afetava a banda, porque suas idéias e composições eram essenciais para o grupo.

É interessante notar, que nos últimos anos da vida de Johnny, ele demonstra sua consideração a pessoa e ao trabalho de Dee Dee, apesar de algumas alfinetadas entre um elogio e outro.Coisa que não acontece com o baterista Marky; que ele considerava um interesseiro e o vocalista Joey, que foi ódio a primeira vista e seguiu assim até o fim da banda.

Engraçado saber que Johnny não fazia idéia da influencia dos Ramones sobre outras bandas e o quanto ele era conhecido e admirado por seus fãs.
O que ele considera apenas um trabalho, seria o seu grande legado para o rock’n’roll.

O livro foi escrito quando Johnny estava em uma fase bem avançada do seu câncer.

Você percebe que ele reflete sobre sua vida, as amizades e as pessoas que estão ao seu lado naquele momento. Mas sem arrependimentos sobre suas atitudes, sem conselhos sentimentaloides ou coisa do gênero.Objetivo e direto como sempre foi em sua vida e até o fim. 
Isso é ser punk! 


COMMANDO - A AUTO BIOGRAFIA DE JOHNNY RAMONE (2012)
AUTOR : JOHNNY RAMONE
EDITORA : LEYA 
ISBN : 9788580445749