sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Patti Smith - Só Garotos



Algumas pessoas acreditam em Deus, outras na sorte, algumas gostam de usar frases “nada acontece por acaso” ou  “foi obra do destino”.

A jovem Patrícia Lee era uma adolescente sonhadora no final da década de 1960. Amante dos livros e da poesia, chegou a ser ameaçada pelas colegas de trabalho, um grupo de mulheres duras e alfabetas, foi chamada de comunista por ler Rimbaud, um autor estrangeiro. Patti não pertencia ao lugar que nasceu, Nova Jersey, precisava sair daquela cidade o mais rápido possível. Aos dezoito anos teve um filho que deu para a adoção e um ano depois, diante da estátua de Joana d’Arc, fez uma promessa para a Santa e para a criança que jamais conheceria; seria alguém na vida. 

Aos 20 anos Patti decide ir para Nova York.
E é agora que a mão de Deus ou a obra do destino acontece pela primeira vez em sua vida. Ao chegar na estação percebe que o preço da passagem é maior do que ela poderia pagar, sem dinheiro, resolve ligar para sua irmã.       E agora? Pedir ajuda para voltar para casa e sentir a vergonha da derrota?

Ela entra na cabine telefônica: 
“Mas ali mesmo, na prateleira embaixo do telefone, entre as grossas paginas amarelas, havia uma carteira branca de couro. Continha um medalhão e trinta dólares, quase uma semana de pagamento do meu ultimo emprego. Contrariando meu melhor juízo, peguei o dinheiro mas deixei a carteira no guichê das passagens na esperança de que a dona pelo menos viesse procurar o medalhão. Não havia nada ali que revelasse a identidade dela. Só posso agradecer, como tenho feito comigo mesma muitas vezes ao longo dos anos, essa benfeitora desconhecida, foi o sinal de boa sorte de uma ladra. Aceitei a doação da pequena carteira branca como a mão do destino me empurrando para frente.”  

Quando chega em NY, Patti não encontra seus amigos. Por algumas semanas dorme na rua, em parques, trens do metro e até em cemitérios. Divide sanduíches de pão com alface com um morador de rua e passa fome também. A cidade de NY que Patti nos transporta é caótica e decadente, mas não violenta, Era a época em que John Lennon pedia uma chance para a paz, os beatniks tomavam conta dos bares e também do LSD e da maconha.

A efervescência cultural e musical estavam em seu ápice e também na inevitável curva da queda. Logo o Flower Power morreria e o Punk Rock tomaria conta da cidade, e depois do mundo. E Patti Smith será uma das maiores responsáveis por essa mudança. 


Um Amor Para Toda a Vida

Já li muitas biografias de músicos, mas até hoje a de Patti Smith foi a que mais me emocionou. Patti sempre seguiu seus sonhos, passou por situações difíceis e nunca se colocou como vitima. Sempre se posicionou como uma artista, fugiu dos estereótipos de beleza, foi a voz de uma geração que não acreditava mais em promessas e precisava de uma nova direção.

O livro “Só Garotos”, é uma bela história de amor entre ela e seu amante/amigo Robert Mapplethorple, uma relação de amizade que durou até a morte de Robert em 1989.
O livro foi uma promessa que ela fez para Robert antes dele morrer, contaria a historia dos dois. E só podemos agradecer por ela cumprir esta promessa.

Eram dois jovens perdidos na cidade grande, produzindo arte de várias formas até encontrar seus caminhos. Aconteceram muitos encontros e desencontros, “casamento de mentira” para agradar os pais, a primeira separação do casal, devido ao interesse de Robert  por conhecer o submundo do sadomasoquismo e homossexualismo. A volta da relação, o companheirismo e a eterna devoção mútua como artistas e amigos.

“Ambos descobrimos que queríamos demais. Só éramos capazes de doar a partir da perspectiva do quem éramos e do que cada um tinha a oferecer. Separados, fomos capazes de enxergar com mais clareza que um não queria mais ficar sem o outro.”

Há alguns anos especularam fazer uma adaptação para um filme, agora os boatos são sobre um seriado. Acredito que seria interessante adaptar o livro sim, porque muitas coisas acontecem não só na vida dos dois, como ao redor deles.O Hotel Chelsea, quase um personagem no livro, por exemplo, poderia ser um filme a parte. Mas nada se compara a experiência de acompanhar Patti Smith em sua jornada de vida e descobertas através de suas próprias palavras. 



Só Garotos (2010)
Autor: Patti Smith
Editora:Companhia das Letras
ISBN : 9780060936228

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Kim Gordon - A Garota da Banda



O fim é o começo do livro.
O fim de uma banda, de um casamento e de uma carreira musical.
Um bom começo para um livro e também um começo bem triste. 
O fim aconteceu em 2011; São Paulo no “Festival de Música e Artes SWU”.

Quando você assiste ao show após ler o primeiro capitulo e percebe as emoções que passaram desapercebidas pelo publico, é impossível não tirar os olhos da garota da banda.

Segundo Kim Gordon : “Alguém me disse que o show inteiro de São Paulo está on line, mas eu nunca vi e não quero ver.”

Você percebe uma certa frustração em suas atitudes e a angustia para deixar aquele palco o mais rápido possível, quando Kim começa a cantar primeiro sua voz embarga, depois ela grita a todos os pulmões, algo está acontecendo mas você só irá entender depois de quatro anos quando sua biografia “Girl In a Band” é lançada.

Tenho que confessar, nunca fui fã do Sonic Youth, fugia muito do rock que eu ouvia na época, Stone Roses, Teenage Fanclub, Tindersticks, The Cure, The Clash, Bauhaus, R.E.M ...

Sempre achei Sonic Youth muito barulhento, tinha aqueles “lances” de jazz experimental, não entendia as letras, enfim... Mas uma coisa sempre me chamou atenção; a baixista. Quem era ela e por que estava em uma banda como aquela? Ah, ela é casada com o vocalista !! Não, não era só isso, ela se vestia de uma maneira legal, diferente, não forçava ser uma mulher sexy, na verdade nem sorria !

Nos anos 1990, a Mtv Brasil começou a tocar sem parar “100%” e “Sugar Cane”. Era o começo do grunge, do rock de Seatle ou similares, acredite, mais da metade da programação da Mtv naquela época era rock alternativo, velhos tempos...

Com o sucesso, ou a maior exposição pela mídia, como Kim Gordon descreve no livro, os problemas dentro de seu casamento começam. Conhecer os bastidores dessa época é muito legal, a amizade deles com o Nirvana, os festivais, as dificuldades que a banda teve para divulgar seu trabalho. Parece que foi ontem, só que já se passaram mais de 20 anos !! 

Kim nos conta sobre sua infância, a vontade de ser artista, um relacionamento complicado com seu irmão esquizofrênico, seu envolvimento com a pintura.Sobre seu ex marido Thurston Moore, parece que ela omite um pouco sobre o começo do romance (um certo ressentimento?) conta sobre como descobriu a traição, mas é bem discreta sobre o processo traumático da separação.

O melhor foi conhecer um pouco mais sobre a garota que ficava em um canto do palco tocando seu baixo, seus pensamentos, conhecer a mulher que ela se tornou após tantas experiências dentro deste mundo quase que exclusivo dos homens.

“Em um nível mais pessoal,“Shaking Hell” espelha bem minha luta contra minha própria identidade e a raiva que sentia sobre quem eu era. Toda mulher sabe o que quero dizer quando digo que as meninas crescem com um desejo de agradar, de ceder seu poder para outras pessoas. Ao mesmo tempo, todo mundo conhece os modos às vezes agressivos e manipuladores com os quais os homens muitas vezes exercem poder no mundo, e como, ao usar a palavra empoderamento para descrever as mulheres, os homens estão simplesmente mantendo seu próprio poder e controle. Anos depois de sair de L.A, eu ainda podia ouvir a voz do louco do meu irmão no meu ouvido, sussurrando: Eu vou dizer a todos os seus amigos que você chorou.”  

Muitos momentos são bem reveladores e emocionantes, uma biografia que merece ser lida, seja você fã ou não do Sonic Youth.


A Gorota da Banda (2015)
Autor: Kim Gordon
Editora: Fabrica 231
ISBN : 9788568432358


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Joy Division - So This is Permanence & Kevin Cummins





Biografias e livros fotográficos servem como portais do tempo para os fãs,
principalmente quando as bandas não existem mais ou seus artistas já morreram.

Os livros trazem um pouco da intimidade, pensamentos e curiosidades que de outra maneira não teríamos acesso. Registros de uma época, de uma vida, frações de pensamentos através de cartas e poemas nos aproximam de nossos ídolos e só podemos especular porque mudaram certas frases ou riscaram parágrafos que parecem perfeitos.        
                       
Em 2014 foi lançado “So This is Permanence”, uma compilação com os manuscritos das letras do Joy Division. São parte dos cadernos/agendas que estavam sempre com o cantor, versões alternativas, letras inéditas e algumas amostras da prosa de Ian Curtis.

A segunda parte do livro contem flyers de shows, cartas de fãs, uma entrevista para um fanzine, reproduções da arte original dos singles e os livros que acompanharam Ian Curtis: Rimbaud, Sartre, Dostoievski, Huxley...

Ian Curtis se suicidou em 1980 aos 23 anos. Seu legado poético, sua voz e suas performances ecoam até hoje e de tempos em tempos é ressuscitado. Por que? As pistas estão neste livro. 

Curtis tinha essa urgência de escrever, mostrar suas angustias, dúvidas e paixões através das músicas.Quais são os jovens músicos que fazem o mesmo nos dias de hoje? Eu só conheci um, há muito tempo; Kurt Cobain e ele também está morto.    





“A luz estava terrível, era meio da tarde, monótono e cinza . Eu estava realmente preocupado que a minha carreira como “fotografo de rock” iria terminar com essa sessão de fotos. Eu pedi para eles irem até o centro da ponte, pensei que poderia tirar algumas fotos deles andando até mim como um borrão.Também pensei em fotografar eles da estrada, minha câmera olhou para eles; a banda olhando para longe de Manchester. Enquanto eles ficaram lá esperando por mim, percebi que aquela era a foto que eu queria."

Esta é a história da foto preferida de Kevin Cummins; “The road out of Manchester”, umas das famosas e icônicas fotos que o iniciante fotografo tirou da também iniciante banda Joy Division no ano de 1979.

Antes da fotografia digital, você fotografava somente com um rolo de filme e rezava para não perder o momento certo. Será que você lembra disso?           Se você nasceu depois de 1990 com certeza não !

Kevin Cummins lembra que contava cada “frame”, ele era um fotografo freelancer no começo de carreira, tinha que bancar do próprio bolso cada rolo de filme e cada revelação. As bandas fotografadas eram iniciantes, do cenário punk, desconhecidas, muitas sem contratos de gravadoras, apenas com fitas demo ou compactos simples independentes e a maioria delas da cidade industrial de Manchester.

De uma dessas sessões saiu a primeira foto de Ian Curtis que virou a capa na NME, jornal semanal britânico, que apresentou a banda para grande publico.

Kevin Cummins acompanhou o Joy Division entre 1977 até 1979, e esta compilação das suas fotos mostra a banda em ensaios, entrevistas e shows. É um livro para ter e não emprestar para ninguém nunca ! Obs: deixar ver somente com supervisão e usando luvas, pois todas as fotos são em P&B. No livro Cummins explica que foram poucas as fotos do JD coloridas pois o filme e revelação eram muitos caros e os jornais publicavam apenas em P&B.

Outro fotógrafo que acompanhou a banda e também fez fotos icônicas foi Anton Corbijin. Em 2007, Corbijin dirigiu “Control”, filme baseado na biografia da viúva Deborah Curtis.

No ano de 2010, Kevin Cummins voltou à Hulme, Manchester, para tirar outras fotos da mesma ponte.
O cenário parecia o mesmo; frio, cinza e monótono mas não havia neve 
e não havia uma banda. 



Joy Division by Kevin Cummins (2010)
Editora: Rizzoli
ISBN: 9780847834815

So This is Permanence:
Joy Division Lyrics and Notebooks by Ian Curtis (2014)
Editora: Chronicle Books
ISBN: 9781452138459


domingo, 21 de fevereiro de 2016

JOY DIVISION - UNKNOWN PLEASURES



JOY DIVISION - UNKNOWN PLEASURES

Esta resenha não contem spoilers.
Então, não será nenhuma surpresa chegar ao final do livro e saber 
que o cantor se suicidou.

Opss, você não sabia? É o que acontece com pelo menos um quarto dos jovens que vestem a camiseta com a clássica imagem escolhida por Peter Saville para o primeiro disco da banda.Digo isso com convicção pois estive na estréia do filme “Control” do diretor Anton Corbjin e ouvi as mais diferentes pérolas...deixa pra lá.

Vamos nos focar no que interessa, o livro “Joy Division/Unknow Pleasures” escrito pelo integrante mais polêmico das duas bandas JD e New Order, o baixista Peter Hook.

Além de ser um dos mais influentes baixistas do punk rock, Peter Hook se mostrou um ótimo escritor, bem humorado ele conta a história do começo do Joy Division, a amizade e as brigas com Bernard Summer (hoje, seu nêmesis) e mostra um lado da banda desconhecida para muitos fãs.

Até então as atenções eram sempre voltadas para o vocalista Ian Curtis e o seu triste fim. Muitas foram as biografias e documentários, oficiais ou não, que contribuíram para criar o mito do poeta/depressivo/suicida de Ian Curtis. O livro de Hook desfaz esse mito, não de modo proposital nem desrespeitoso, pelo contrário, parece que nunca conheci o vocalista do JD antes, eles eram quatro jovens da classe trabalhadora de Manchester, que queriam ganhar dinheiro, ter uma certa fama, talvez. Mas acima disso, fugir da mesmice, quebrar as regras, ter uma voz, dizer para as pessoas : “Estou aqui, vocês não podem virar a cara para nós”

Essa era a verdadeira essência do punk rock, mostrar as diferenças de classes, o inconformismo com as leis e governantes, mandar um “Fuck Off” para a rainha e todos os moralistas de plantão. Muito diferente da geração de hoje que busca a fama pela fama, através de apelação sexual barata e letras vazias.

Ele eram jovens ingênuos também, segundo Hook, as drogas pesadas não fizeram parte da vida da banda, maconha e bebida eram as únicas consumidas. Quando Ian Curtis descobriu sua epilepsia ele já tomava remédios suficientes para ficar com sua saúde debilitada e os outros integrantes temiam que outras drogas piorassem a condição do vocalista.Contratos de shows e discos que não renderam dinheiro, gastos com a banda, demo tapes que não deram certo.Eles nunca ganharam nenhum dinheiro com a venda de sua camiseta (aquela) que virou a marca da banda, mas nunca registrada.

Peter Hook não entra em detalhes sobre o romance entre Curtis e Annik Honoré, escreve que não se lembra muito dela. Ok, vamos deixar assim. Não faz falta nesta biografia, esse assunto já foi bem explorado no livro "Tocando a Distância " da viúva Deborah Curtis.

Os momentos mais engraçados sobre pregar peças em outras bandas “concorrentes”, brigas durante shows e bebedeiras, mostram o lado fanfarrão de Hook, o “Rock Star”da banda, algo que incomodava bastante Bernard Summer, e não faltam farpas e ironias quando o baixista fala de seu ex-amigo.

Peter Hook lançou em 2010 “The Hacienda: How Not to Run a Club” sobre os loucos anos do club mais famoso de Manchester, agora falta a biografia do New Order,  por favor Mr.Hook não demore!!



JOY DIVISION - UNKNOWN PLEASURES (2012)
Autor : Peter Hook
Editora : SEOMAN

ISBN: 9788555030109